Em 2013, Angelina Jolie anunciou uma cirurgia que chocou muitos dos seus fãs e do público em geral: ela havia realizado uma mastectomia dupla, ou seja, retiradas dos dois seios. O motivo da cirurgia foi a descoberta de que ela era portadora de uma mutação no gene BRCA. Este gene predispõe os portadores a terem uma maior chance de desenvolver o câncer de mama, como o caso de Angelina, que possuía uma chance de 87% de sofrer da doença durante sua vida. Com a cirurgia de retirada de mamas, o risco dela diminuiu cerca de 90%. Por causa do mesmo gene, ela possuía ainda uma chance maior de desenvolver câncer de ovário, e por esse motivo, também optou pela cirurgia de ovariectomia (retirada dos ovários) em 2015.
Mas o que é esse gene e por que ele tem uma influência tão grande no risco de desenvolvimento de câncer?
Descoberta
A forma como entendemos o câncer e sua origem mudou muito durante os anos. Até a década de 1960, era aceito como hipótese no meio científico de que o câncer de mama poderia ser causado por uma infecção viral. Mary-Claire King, uma professora de genética da Universidade de Washington, foi uma das pioneiras em desafiar essa visão, ao perceber que a doença era especialmente comum em algumas famílias e ao associar isso ao mecanismo de surgimento do câncer, essencialmente ligado a danos no material genético.
Foi ela quem descobriu, em 1990, a região no cromossomo 17, que hoje conhecemos como BRCA. Iniciou-se, então, uma corrida para clonagem e sequenciamento do gene, que a essa altura já se sabia ter uma grande importância. Em 1994, Mark Skolnick, professor da Universidade de Utah, publicou o artigo que é tido como a descoberta do BRCA, onde ele identifica as principais mutações no gene que são encontradas em famílias com muitos casos de câncer de mama e ovário. É aqui que nasce o BRCA e o ponto de partida para um conhecimento mais profundo sobre a relação entre o câncer e a genética.
O que é o BRCA?
O gene BRCA, na verdade, é dividido em BRCA1 e BRCA2. Estes genes codificam proteínas que atuam nas vias de proteção do genoma humano, isto é, na proteção da nossa informação genética, principalmente durante a divisão das células. Quando uma pessoa herda uma mutação em um destes genes, o corpo começa a ter problemas em corrigir erros durante o processo de divisão e perde a capacidade de reparar danos ao DNA. É nesse ponto que o câncer pode se desenvolver, numa condição conhecida como síndrome do câncer de mama e ovário hereditário, onde os portadores têm risco aumentado não só para câncer de mama e ovário, mas também para câncer de pâncreas, laringe, estômago, tubas uterinas e próstata. As portadoras da síndrome do câncer de mama e ovário hereditária compõem cerca de 5-7% dos casos totais destas doenças, e as portadoras têm um risco de 50-80% de desenvolver câncer de mama e de 30-50% para desenvolver câncer de ovário.
Os testes genéticos e o autoconhecimento
Desde o mapeamento do genoma humano, em 2003, o número de testes genéticos no mercado aumentou exponencialmente. Segundo estimativas de um estudo publicado no The National Center for Biotechnology Information, existem hoje cerca de 75.000 testes genéticos no mundo todo, com cerca de 10 testes entrando no mercado diariamente. Os testes genéticos pré-natais são os campeões na categoria, seguido pelos testes de câncer hereditário. O custo é outro fator que mudou drasticamente: o sequenciamento do primeiro genoma humano custou dezenas de milhões de dólares, enquanto hoje é possível sequenciar o genoma de qualquer pessoa por cerca de mil dólares, e testes genéticos de outros tipos são ainda mais baratos.
A presença destes avanços tornaram os testes genéticos alternativas mais baratas e acessíveis para a sociedade. Agora, a partir de um teste, você pode saber de onde vieram seus antepassados, quais doenças você tem mais risco de desenvolver e, consequentemente, saber como prevenir ou tratá-las precocemente, como medicamentos agem no seu corpo e muito mais. Você pode ainda saber informações pessoais como tendência ao tabagismo ou a outros hábitos de risco, tendência a obesidade e até mesmo qual o seu tipo de cera de ouvido e se você gosta ou não de coentro!
Este tipo de informação é importante já que nos empodera de conhecimento acerca de nós mesmos e toda a linhagem de seres humanos que existiram antes e que existirão depois de nós em nossa família. Munido dessas informações, somos mais livres e temos mais controle sobre decisões em relação à nossa saúde, de onde viemos e para que direção queremos apontar. Afinal, como já dizia a expressão em latim, scientia potentia est – conhecimento é poder.
*Ressaltamos que os resultados dos nossos testes são preditivos, ou seja não têm implicação diagnóstica para qualquer doença e podem ser interpretados pelo próprio cliente, permitindo um maior conhecimento sobre suas tendências genéticas.
Referências
http://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2013/05/com-receio-de-cancer-angelina-jolie-retira-os-seios.html
https://www.nature.com/articles/nrc3181
http://www.crmpr.org.br/publicacoes/cientificas/index.php/revista-do-medico-residente/article/viewFile/415/405
http://www.oncoguia.org.br/conteudo/cancer-hereditario/8323/73/#:~:text=A%20principal%20s%C3%ADndrome%20heredit%C3%A1ria%20para,de%20outros%20tipos%20de%20c%C3%A2ncer.
https://time.com/2802156/lessons-from-the-woman-who-discovered-the-brca-cancer-gene/
https://science.sciencemag.org/content/250/4988/1684/tab-pdf
https://science.sciencemag.org/content/266/5182/66
https://www.jax.org/news-and-insights/jax-blog/2017/february/mary-claire-king#
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5987210/