Ao longo da história, diversas sociedades atribuíram diferentes papeis relacionados ao gênero dos indivíduos. As mulheres em quase todos os casos ficavam restritas ao papel de cuidadora dos filhos e do lar, enquanto os homens comandavam exércitos e governavam nações. Este cenário era diferente, porém, dentre as mulheres vikings – e agora evidências genéticas comprovam este fato.
As corajosas guerreiras Skjaldmö (donzelas escudeiras) estão presentes em diversas histórias da mitologia nórdica. Assim como a famosa Lagertha, primeira esposa do lendário rei dinamarquês Ragnar Lodbrok, outras mulheres também teriam renegado uma vida pacata no lar para batalhar junto aos exércitos viking, cerca de mil anos atrás.
O túmulo da última guerreira Viking
Por volta de 1880, foi descoberto em Birka, na Suécia, um túmulo adornado com todas as honrarias de um oficial guerreiro: armaduras, armas e dois cavalos foram enterrados junto com o corpo. Na época, não houve dúvidas ao afirmar que se tratava de um importante “guerreiro Viking” – chegou a ser popularmente chamado de “O Túmulo do Último Guerreiro Viking”. Agora, mais de 130 anos depois, testes de DNA mostraram que esse “guerreiro” viking de alta patente era, na verdade, uma mulher Viking.
“Embora algumas mulheres vikings enterradas com armas tenham sido reconhecidas, uma mulher guerreira dessa importância e com uma patente tão alta nunca havia sido encontrada, e os estudiosos da Era Viking relutam em reconhecer que as mulheres manuseavam armas” escreveram os pesquisadores no estudo publicado no American Journal of Physical Anthropology.
“As evidências indicam que ela era uma oficial, alguém que trabalhava com tática e estratégia, apta a liderar as tropas nas batalhas”, explicou Charlotte Hedenstierna-Jonson, que liderou o estudo. “Ela tinha por volta dos 30 anos e cerca de 1,70 m”.
Isótopos de outros elementos químicos ainda apontam para mais um fato curioso. Segundo a equipe, a guerreira viking teria um estilo de vida nômade, morando em várias outras localidades até se estabelecer em Birka, já no fim da vida – o que casa bem com a trajetória de um guerreiro viking, sobretudo entre os séculos 8 e 10.
“Além do equipamento completo enterrado junto com ela – uma espada, um machado, uma lança, arco e flechas, uma faca de batalha, escudos e dois cavalos – ela tinha um jogo de tabuleiro em seu colo, usado para experimentar estratégias e táticas de batalha, fato que indica que ela era uma poderosa líder militar”, disse Charlotte.
A história chamou muita atenção em todo o mundo, mas nem todos ficaram felizes com essa conclusão. Muitos críticos disseram que as armas poderiam pertencer ao marido ou que, na verdade, haviam dois esqueletos dispostos no túmulo. Alguns argumentaram até que os investigadores analisaram o esqueleto errado, ou os ossos que estudaram estavam misturados com outro conjunto de restos mortais. Outros apenas pensaram que era uma ilusão pensar que as mulheres eram guerreiras nos tempos Viking.
Mulheres Vikings eram uma exceção?
Apesar deste achado irrefutável, a ausência de registros históricos sobre as invasões vikings – que aconteceram num período sobre o qual de fato há poucos registros escritos no geral – deixa uma lacuna no que tange ao quão comum era a presença feminina nas hordas vikings.
Para os cientistas, outras mulheres podem ter tido seu passado injustiçado, graças a generalizações. “Outros casos de mulheres que foram enterradas com armamentos podem ter sido mal interpretados, com os objetos sendo associados erroneamente a heranças, ou como símbolos do status social de suas famílias, em vez de serem encarados como parte da história delas”, defendem, no estudo.
Anna Kjellström, uma osteologista da Universidade de Estocolmo, trouxe os restos mortais para estudá-los para outro projeto de pesquisa e só então notou que algo estava errado. As maçãs do rosto eram mais finas, diferentes das de um homem, assim como os ossos do quadril eram tipicamente femininos. Uma análise osteológica foi realizada, apoiando-se ainda mais a sua suspeita a quem aquela ossada pertencia.
Agora, no entanto, uma análise de DNA procedeu, claramente, confirmando que “o guerreiro” Viking era de fato uma mulher.
“Esta imagem do guerreiro masculino em uma sociedade patriarcal foi reforçada por pesquisa de tradições e preconceitos contemporâneos. Portanto, o sexo biológico do indivíduo era um dado adquirido”, escrevem no relatório Hedenstierna-Jonson, Kjellström e os oito outros pesquisadores por trás do estudo.
Hedenstierna-Jonson descreveu o achado como uma descoberta fantástica, mas disse que é improvável que isso acabaria com a visão dos historiadores da sociedade Viking como sendo patriarcal, ou seja, constituída principalmente de guerreiros masculinos.
“Foi provavelmente bastante incomum (para uma mulher ser um líder militar), mas neste caso, provavelmente tinha mais a ver com seu papel na sociedade e da família, de que ela era e que carrega mais importância do que seu gênero”
Além disso, Hedenstierna-Jonson disse que desde que as primeiras evidências chegaram de que o guerreiro era uma mulher, os pesquisadores foram recebidos com um quinhão de ceticismo, com críticos questionando se os ossos analisados pertenciam de fato àquele túmulo específico.
O papel da mulher
A figura da mulher e suas realizações memoráveis ao longo do tempo estão ocupando cada vez mais espaço na sociedade, embora muitas vezes sua participação em eventos importantes ainda seja relevada.
Com o tempo e graças às lutas promovidas por mulheres no passado, as mulheres de agora tem mais liberdade para escolher seu próprio lugar na sociedade.
Ainda que as guerreiras Vikings devidamente comprovadas não estejam mais entre nós, há um dever de informar a todos que naquela época, além de fazendeiras ou “do lar”, agora sabemos que elas também faziam parte do campo de batalha. Não só é uma injustiça para com as guerreiras daquele tempo como também é um erro histórico que agora estamos começando a reparar.
Para esta função, é importante que mulheres participem do processo de pesquisa e descoberta científica – se não fosse uma pesquisadora propor levar a ossada para análise genética, por exemplo, jamais teríamos descoberto que se tratavam de mulheres vikings guerreiras, dado que nem sequer passou pela cabeça dos homens que a descobriram no século XIX.
Por isso, o Grupo Genera reconhece a coragem e a força de todas as guerreiras do Brasil e do mundo – sejam elas do passado ou do presente.