Caracterizada pelo uso compulsivo e descontrolado de substâncias químicas com finalidade de obtenção de prazer imediato, a dependência química é um problema de saúde que atinge pessoas em todo o mundo, e que afeta a vida do paciente e de todos ao seu redor de diversas maneiras, tanto no aspecto físico quanto nos aspectos mental e social.
Em 2017, a Organização das Nações Unidas (ONU) desenvolveu um informe global sobre o uso de drogas ilícitas e dependência química, e constatou que os números sobre o mercado ilícito de drogas de abuso continua crescendo, tanto em quantidade de usuários quanto em somas de dinheiro envolvido.
No Brasil, não é diferente. Em 2012, por exemplo, a Unifesp publicou um levantamento relatando que o consumo de crack no país representava 20% do consumo mundial. Segundo a pesquisa, pelo menos dois milhões de pessoas já haviam experimentado a droga no país, na época.
De acordo com Relatório Mundial de Drogas 2018, levantamento realizado também pela ONU , o mercado global nunca produziu tanta cocaína e ópio quanto hoje, o que indica um maior consumo mundial destas drogas. Além disso, as pessoas nunca consumiram tanto medicamento sem prescrição médica como acontece atualmente: um alerta para o fato de que não só as substâncias ilícitas estão associadas ao problema da dependência química, mas também as drogas legalizadas.
Quando o uso de drogas vira dependência química?
A dopamina é, junto da noradrenalina e da serotonina, um dos três principais neurotransmissores responsáveis por regular o comportamento humano. Mais especificamente, ela é a protagonista de nosso sistema de recompensa, sendo liberada em situações de prazer, por exemplo durante e após a realização de atividades físicas, do ato sexual ou mesmo quando estamos executando alguma atividade de que gostamos.
Apesar de o conceito de “droga” ser bastante amplo – abrangendo uma infinidade de preparações baseadas nos mais diversos princípios ativos, cada um com um mecanismo de ação diferente no cérebro – todas elas têm, como resultado em comum, o aumento dos níveis de dopamina numa área do cérebro chamada “núcleo accumbens”. Tal aumento é responsável pela sensação de prazer e bem-estar proporcionada pelo uso de uma substância com fins recreativos.
O problema acontece quando em alguns casos, na ausência do estímulo, observa-se níveis diminuídos de dopamina. Esta situação é causada por alterações celulares nos neurônios e caracteriza a síndrome de abstinência, com sintomas como dores de cabeça, comportamentos compulsivos-agressivos e prejuízo às funções superiores do SNC – raciocínio lógico e controle das emoções, por exemplo. A partir deste ponto é possível dizer que há um caso de dependência química.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a dependência química é uma doença crônica e progressiva, ou seja, que em caso de não tratamento pode se agravar com o tempo. Além disso, é observada a comorbidade – incidência em comum – de dependência química e outros transtornos mentais.
A relação da dependência química com os transtornos mentais
Há dois estudos epidemiológicos que são clássicos por terem examinado a prevalência de transtornos psiquiátricos e abuso de substâncias, conduzindo avaliações em adultos: o Estudo sobre Área de Captação Epidemiológica de Saúde mental – ECA (Epidemiological Catchment Area) e a Pesquisa Nacional de Comorbidades (National Comorbidity Survey), realizada pela Universidade de Harvard.
O ECA verificou uma prevalência de 13,5% de abuso/dependência de álcool e 6,1% para abuso/dependência de outras drogas (exceto nicotina – a dependência mais comum na época, chegando a 22% dos americanos) na população adulta em geral, enquanto nos indivíduos com transtornos do humor, foi observado 32% de prevalência de problemas envolvendo álcool/drogas.
Já o NCS, utilizando metodologias diferentes, estimou a incidência de dependência química e demais problemas relacionados ao uso de drogas na população adulta geral em 7,5%. Já quando estudados os pacientes com transtornos do humor (de qualquer tipo), foi observado um aumento dessa proporção para 19,3%. Ou seja, a incidência de problemas com drogas é o triplo nestes pacientes, em comparação à população geral.
Dados de um terceiro estudo, o Canadian Community Health Survey, realizado no Canadá, mostram que a prevalência de depressão durante ao menos 12 meses em pessoas que desenvolveram problemas relacionados ao uso de drogas foi:
- 6,9% para consumidores de níveis elevados de bebidas alcoólicas;
- 8,8% para dependentes de álcool e 16,1% para drogas de um modo geral;
Além disso, entre 20 a 67% dos indivíduos estudados passaram alguma vez na vida por um episódio de depressão, enquanto de 6 a 8% foram avaliados como casos suspeitos de bipolaridade.
Esses dados mostram que a relação entre os dois problemas é real, e que muitas vezes um potencializa os efeitos do outro. Porém, não é possível afirmar qual deles é a causa e qual a consequência, pelo menos não para todos os casos. Para tanto, seria necessário uma análise individual de cada paciente, já que são duas doenças complexas e multifacetadas, que exigem muita cautela com o uso de definições amplas e genéricas.
O dependente químico como paciente
Dado que se trata de uma doença, é importante que haja acompanhamento profissional adequado para os dependentes químicos, bem como educação e prevenção para evitar novos casos. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), vale ressaltar CAPS AD – Centro de Atenção Psicossocial com enfoque em Álcool e Drogas.
O CAPS AD é uma rede de centros onde há atendimento individualizado para os dependentes químicos que procuram voluntariamente o serviço. Contrariando a lógica manicomial, o acolhimento prestado nestes centros é realizado por uma equipe multidisciplinar que visa, em conjunto com o paciente, encontrar alternativas viáveis para suprimir a necessidade do uso de drogas, bem como educá-lo e orientá-lo a evitar situações de risco.
Em suma, vê-se que a relação entre dependência química e doenças mentais é complexa e precisa ser encarada como tal. Neste sentido, ganham ainda mais importância o debate e o diálogo, envolvendo a sociedade como um todo, para que tanto os pacientes quanto as pessoas a seu redor possam alcançar uma vida com menos sofrimento e mais saúde.
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