Quando nas aulas de biologia da escola aprendemos o que é seleção natural – conceito idealizado por Charles Darwin no século XIX para explicar a origem das espécies como as conhecemos – ela soa como um processo distante, antigo, algo que já se deu há muito tempo e cujo resultado final é a biodiversidade que enxergamos hoje.
Isso é causado em muito pelo fato de que não é possível que nós, humanos, enxerguemos a seleção natural e a evolução acontecendo, dado que são processos que acontecem ao longo de milhares de anos – muito mais do que a expectativa de vida de qualquer um de nós. Isso não quer dizer, no entanto, que estes processos estão encerrados. Na verdade, eles continuam acontecendo, inclusive afetando a nós, ainda que não consigamos enxergar diretamente as evidências.
Na verdade, em alguns casos nós até conseguimos, e vamos mostrar alguns exemplos a seguir.
Charles Darwin explica o que é seleção natural
Em 1859 a teoria da seleção natural foi publicada no livro A Origem das Espécies, escrito pelo cientista britânico Charles Darwin. Segundo o pesquisador, as espécies mudam ao longo do tempo a partir de mutações gênicas, dando origem a novas espécies que compartilham um ancestral comum. As criaturas mais adaptadas ao longo dessas mudanças – e não necessariamente as mais fortes, como se pensava à época – conseguem passar adiante suas características, enquanto as menos adaptadas morrem e levam suas características consigo.
Este processo leva em consideração a natureza limitada dos recursos naturais essenciais à sobrevivência no meio – alimentos, abrigo de predadores, etc. Indivíduos com características que garantam alguma vantagem na competição por estes recursos – ou seja, que favoreçam a sobrevivência e (mais importante de tudo) a reprodução destes indivíduos – tendem a deixar mais descendentes do que os que, do contrário, manifestam características desvantajosas para aquele meio. Como resultado, temos, ao longo do tempo, aumento na prevalência das características vantajosas dentre os indivíduos de uma população.
Estas constatações, que hoje podem parecer quase intuitivas, levaram algum tempo para serem bem aceitas e difundidas na comunidade científica. A Teoria da Evolução conseguiu relacionar a percepção de que, numa reprodução, os descendentes, em qualquer geração, serão ligeiramente diferentes entre si em suas características – ou seja, há uma variabilidade dentre os indivíduos de uma mesma prole – com a herdabilidade destas características, postulando que, ao longo do tempo, somente as características vantajosas seriam transmitidas.
Mais importante ainda, o conceito de seleção natural nos deixa claro que é a adaptação ao meio que seleciona quem sobrevive e quem não. Isso é importante para entendermos como diferentes ambientes comportam diferentes espécies e como estes ambientes moldam as formas de vida que contém.
Os seres humanos e sua relação com o ambiente
Como vimos, a seleção natural faz com que as populações se tornem cada vez mais bem adaptadas ao ambiente em que vivem. Estes ambientes, por sua vez, não são estáticos, podendo sofrer alterações de qualquer natureza a qualquer momento. É válido afirmar que tanto o ambiente exerce influência sobre as populações quanto o contrário.
Muitas vezes, a relação dos indivíduos com o espaço segue um caminho que resulta em um ambiente completamente novo, diferente do anterior, com novas pressões seletivas onde características outrora vantajosas podem acabar se tornando um fardo e vice-versa.
Ao longo de alguns milhares de anos, o ser humano passou de mero coadjuvante a protagonista absoluto na cadeia alimentar, mudando radicalmente seu estilo de vida: basta comparar a vida em qualquer cidade ou área rural moderna à nas savanas africanas de 100 mil anos atrás. Não só isso mas também o ser humano mudou radicalmente o meio à sua volta, eliminando algumas pressões seletivas e criando outras novas.
Como a evolução é um processo contínuo, hoje mesmo podemos notar, em nosso corpo, alguns resquícios de estruturas que foram úteis em outros tempos mas que, devido a essas alterações no ambiente e no estilo de vida do ser humano, foram aos poucos sendo “deixadas de lado”. Um exemplo é o músculo palmar longo, que embora já tenha sido muito útil para nossos ancestrais subirem ou se pendurarem em árvores, hoje não representa uma grande utilidade funcional – a ponto de 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo simplesmente não possuírem o músculo na sua estrutura óssea, sem qualquer prejuízo à sua vida. A ausência do palmar longo não é considerada uma doença, posto que não prejudica as atividades de uma pessoa, sendo considerada uma variação anatômica.
Quer saber se você tem este músculo? Basta flexionar a mão para dentro e encostar o polegar no dedo mínimo. Quando fazemos esse movimento conseguimos observar que há um tendão que “salta” e fica mais aparente, um feixe cartilaginoso com pouco mais de três centímetros entre o punho e o antebraço. Essa é a parte visível do palmar longo. Caso não tenha observado o tendão, é provável que o músculo realmente esteja ausente em você.
Outro exemplo parecido é o músculo plantar, encontrado em nossa perna. Esse músculo vai do joelho até o pé e ajudava nossos ancestrais a manipularem objetos com os pés. Nos dias atuais esse não é um músculo muito utilizado para essa finalidade e não há prejuízos para os 9% da população mundial que nascem sem esta peça anatômica.
O efeito de pressões seletivas em populações modernas
A seleção natural depende do ambiente e requer a existência de variações genéticas em um grupo. A variação genética atua como a matéria-prima da seleção natural, pois, para que ela aja sobre uma característica, é necessário que essa variação já exista na população. Além disso, as características têm que ser herdáveis, determinadas pelos genes do organismo. Ao longo das gerações, a população se tornará adaptada ao seu ambiente, visto que indivíduos com características úteis a este ambiente têm, consistentemente, maior sucesso reprodutivo que os seus contemporâneos.
Um exemplo de seleção genética específica de uma população é mostrado em um estudo onde pesquisadores verificaram as variações gênicas encontradas em povos que vivem em grandes altitudes. Biólogos suspeitavam que uma permanência tão longa em um ambiente inóspito só teria sido possível porque, à medida que as gerações passaram, características genéticas favoráveis à vida nessas condições extremas teriam surgido ou se disseminado entre seus habitantes.
A partir destas hipóteses pesquisadores brasileiros identificaram variantes de três genes que prepararam o corpo para a vida em altitudes elevadas. Essas modificações ocorrem em povos nativos das Américas, mas chegam a ser de 20 a 100 vezes mais comuns nas populações que habitam o altiplano andino (cerca de 4 mil metros acima do nível do mar) há milhares de anos do que nas que vivem em terras baixas.
Grupos de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), identificaram as variantes dos genes SP100, DUOX2 e CLC ao comparar o material genético desses povos com populações que não estavam localizadas em alturas extremas. O fato de estas mutações estarem presentes também em outras populações fora do altiplano reforça a ideia de que as mutações acontecem antes da seleção natural.
Este é só um dos diversos exemplos de populações que são, até hoje, moldadas ativamente pelas pressões seletivas de diversos pontos diferentes do planeta. Assim como a diversidade animal é explicada pela evolução, também o pode ser a diversidade dentro da espécie humana. No texto da semana que vem, iremos abordar mais alguns destes exemplos e falar um pouco sobre como as culturas humanas também são influenciadas pela seleção natural.
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